Bênção ou maldição, eu posso dizer que tenho uma certa facilidade em lidar com mensagens que "querem chegar ao seu destino"... Um dom, muitos diriam, mas que sozinho não representa tanto e deve vir sempre associado ao estudo. Dias atrás, enquanto estudava mais sobre o simbolismo do oráculo que utilizo, percebi a alegria que é ter acesso a essa comunicação direta, e me peguei pensando sobre o ato de oracular, entusiasmada - e fato é que a palavra "entusiasmo", em sua origem, é "ter o deus em si".
O que é um oráculo? Por definição, a palavra designa a "resposta dada por uma divindade a uma questão pessoal através de artes divinatórias. Por extensão, o termo oráculo designa tanto a divindade consultada como o intermediário humano que transmite a resposta, e ainda o lugar sagrado onde essa resposta é dada. A língua grega distingue estes diferentes sentidos: entre numerosos termos, a resposta divina pode ser designada por "khrêsmós", literalmente o fato de informar. Pode-se também dizer "phátis", o fato de falar. O intérprete da resposta divina é frequentemente designado por "prophêtê", aquele que fala em lugar (do deus), ou ainda "mántis". Por fim, o lugar do oráculo é "kherêstêrion"" ¹. Como se vê, um conceito bastante amplo e muito simples.
Várias práticas, ou artes divinatórias eram consultadas: de ossos a lendas de cabeças falantes, passando pelas diversas "mancias" conhecidas até os dias de hoje, muitas são as formas de receber a mensagens dos deuses, do universo, do etéreo... Seja lá como você a "reconheça", rs. Cadeira por muito tempo ocupada somente por mulheres, aquelas que detinham o conhecimento oculto de todas as coisas, hoje em dia muitos oraculistas masculinos representam muito bem o título que detêm. Famílias também detinham, antes, o poder único de passar adiante o dom oracular - coisa que hoje ainda existe, mas não delimita mais.
* Lidando com o dom e com o estudo Qualquer objeto, moeda, cartas, dentre outros, podem dar uma resposta (afirmativa ou negativa, e também outros tipos de respostas) desde que exista um padrão já determinado no sistema de leitura. O ato de interpretar tais respostas e estabelecer sentido, passando adiante a mensagem, é possível por conta da interpretação dos símbolos contidos no oráculo consultado. Um símbolo com sentido é um signo; a interpretação dada pelo oraculista vem através de intuições e também do entendimento do signo que se apresenta na hora do jogo. Vem daí o entendimento que, em se estudando a simbologia e os métodos de um oráculo, é possível interpretá-lo. O dom é manifestação divina, e geralmente ele nos faz pender para um determinado tipo de "mancia": você escolhe cartas porque se sente mais confortável, e aí talvez se apegue mais ao tarô ou ao baralho comum, ou escolhe runas pelos desenhos lhe parecerem próximos, as moedas por lhe serem mais "chegadas"... E se decidir estudar um oráculo, mesmo sem ter este approach, conseguirá ler as mensagens que irá receber através dele. Claro que ter os dois, dom e estudo constante, é muito bom (rs).
* Papeando com os símbolos
O estudo traz a consciência, não só do que quer dizer um determinado símbolo, mas de como ele foi elaborado, em que momento da história ele surgiu e como isso tudo influencia na leitura, etc... O que entendemos por simbologia? Como alguns símbolos significam um tanto igual para tanta gente diferente?
Vamos pensar em um sistema oracular antigo, citado até mesmo em escritos bíblicos: a oniromancia ou a interpretação dos sonhos. Técnica muito difundida no ocidente e usada desde os tempos mais antigos, foi citada por Carl Gustav Jung (foto à esquerda) em vários de seus trabalhos como sendo uma forma realmente eficiente de analisar a condição da psiquê do consulente. Diz-se que a civilização mais antiga a lidar com os sonhos como presságios foi a egípcia: pessoas pagavam tributos para dormir nos templos e, ao acordar, terem seus sonhos interpretados pela sacerdotisa local. Como entender que, desde aquele tempo até os dias de hoje, sonhar com um determinado símbolo "significa a mesma coisa" que sonhar com ele hoje? A Psicologia Analítica de Jung foi a que mais contribuiu para o estudo do material simbólico da humanidade. Jung fez várias viagens, conheceu várias culturas e com isso pode vislumbrar uma conexão universal entre os homens, uma herança psicológica construída ao longo da evolução humana. A essa herança ele denominou de inconsciente coletivo. "Os conteúdos do inconsciente coletivo são denominados de 'arquétipos' (tipos arcaicos) que surgem na consciência como imagens simbólicas. Através da concepção de inconsciente coletivo, Jung concebe que todos os homens, primitivos ou modernos, compartilham de um conhecimento arquetípico universal. O inconsciente coletivo rompe com a linearidade espaço-tempo, ampliando a visão do psiquismo para além da simples causalidade". ²
Ou seja, o significado do símbolo não vem apenas por coincidência ou fatalidade. Ele se apresenta e traz, em si mesmo, um mundo de possibilidades de leitura e interpretação. Jung também cunhou o termo "sincronicidade" para descrever coincidências significativas. Ele acreditava que a mensagem que "cai" num jogo oracular através da carta, pedra ou símbolo que escolhemos é inspirada por algo interior que precisa ser expresso ou se manifestar no mundo exterior naquele momento. ³
O material arquetípico do inconsciente, de tão arcaico, por muitas vezes não tem sentido factual para o homem de hoje. Ou o sentido se escoou no tempo-espaço, ou se fundiu com seu símbolo criando um signo tão forte que se mantém sozinho, sem precisar de muita explicação. Para os dois casos, é preciso entendimento: no primeiro, para que não se perca sentido, e no segundo, para não limitá-lo.
Vamos exemplificar com um símbolo conhecido: o "cão". A não ser que a pessoa tenha sido mordida alguma vez na vida ou goste mais de gatos como bichos de estimação, podemos quase afirmar que quando ela for questionada sobre os atributos do cão ela dirá que ele é "o melhor amigo do homem". Isso vem desde quando os cães eram selvagens e passaram a ser domesticados, tornaram-se protetores, foram usados de forma errônea sendo levados a praticar a caça como "esporte" (gosto de seus donos), foram trazidos para dentro das casas, e até hoje convivem conosco. O cão, como símbolo, traz os arquétipos de fidelidade e companheirismo, mas também de obediência, de amizade, de compromisso, de delimitador e protetor de seu espaço - dentre outras coisas!
É preciso um certo grau de abstração, mas essa mesma abstração deve estar fundamentada no entendimento. Deste modo, a análise e estudo destes arquétipos é de grande importância para o resgate simbólico e para compreensão dos signos que surgem também nos oráculos e, consequentemente, para uma compreensão mais profunda de si mesmo. Uma forma muito benéfica de aprendizado arquetípico é o estudo das mitologias. "A mitologia é o sonhar coletivo dos povos", como nos disse Walter Boechat, médico e analista junguiano. Ele explica que "o mito possibilita a amplificação da situação vivida pelo paciente, possibilitando sua melhor compreensão, uma vez que seus sonhos e fantasias têm a mesma raiz dos mitos arcaicos."
* A intuição como parceira fiel O estudo simbólico de um oráculo traz ainda a expansão desse inconsciente coletivo, fundindo-se com a mente ativa e tornando-se parte de nós mesmos. Alimentar isso faz valer cada segundo de intuição que venha em uma leitura oracular. Ah, sim, a intuição!... O que dizer daquela voz interior que diz, naquele momento, algo extremamente pertinente, mesmo que pareça contrário ao signo naquele momento? Sim, estudamos também para expandir a consciência coletiva ao grau intuitivo, que fala conosco através da parte de nós mesmos menos tocada pelo mundo externo. Algumas correntes esotéricas denominam esta parte de "Self Jovem": "É o self mais jovem que diretamente experimenta o mundo, através da percepção holística do hemisfério direito. Sensações, emoções, energias essenciais, memória de imagens, intuição e percepção difusa são funções do self mais jovem. A sua compreensão verbal é limitada; ele se comunica através de imagens, emoções, sensações, sonhos, visões e sintomas físicos." 4
Por isso a intuição vem, muitas vezes, arrebatadora! Ou, ainda, fica "martelando" continuamente até que seja ouvida pela mente consciente, ou "Self Discursivo". Ao utilizar algum método oracular, ato que lida diretamente com os arquétipos, a intuição se apresenta e faz-se notar. E não duvide dela, não mesmo! Até confirme, mas não duvide: é importante não deixá-la de lado, pois por falar exatamente a mesma língua da simbologia do inconsciente coletivo, a intuição pode nos trazer percepções não notadas anteriormente. Dar a devida atenção faz com que a intuição se torne parceria mais do que fiel do oraculista. Praticando a gente se entende! Assim como num estudo de um idioma, a prática oracular leva a absorção simbólica e ao desenvolvimento intuitivo.
* O resgate do oráculo nos dias de hoje
A "palavra" de um oráculo era extremamente respeitada no mundo antigo. Muitas civilizações nos quatro cantos do mundo utilizavam esse canal de "informação" e conhecimento sobre aquilo que estava oculto ou não era percebido pelo homem comum - fosse ele o chefe de uma tribo, o patrono de uma cidadela ou um dono de cabras... Todos podiam através de um oráculo saber a resposta aos seus questionamentos, fossem estes quais fossem! Cidades se criaram em volta dos oráculos, comércio e intercâmbio cultural se desenvolveram por causa deles. No mundo antigo, as pessoas viviam com os deuses mais presentes e atuantes: ter um local e/ou alguém para receber as mensagens deles era mais do que natural.
O mundo moderno trouxe a desconexão. O esquecimento do que é sagrado (em
detrimento do que era tangível) trouxe o abandono e a prática oracular perdeu sentido, foi relegada ao "oculto". Com o novo pensar da humanidade, um (pouco!) mais voltada para as questões internas e etéreas, o ato de oracular ganhou novamente força, pois fala uma língua acessível à todos! Porém, para alguns, a arte oracular ainda não soa a algo confiável, ou é quase banal, "auto-ajuda" demasiada travestida de fantasia, sem muita credibilidade e com muita curiosidade... Poucos (re)conhecem a força mágica e etérea que nos rodeia, e entendem o oráculo como fonte de comunicação. Para nós, oraculistas, é preciso lutar contra essa perda de importância do oráculo em si, retornando-o às raízes da respeitabilidade. Para se ter respeito é preciso dar-se o respeito: para quem lê para outrem ou para si mesmo, manter-se com ética, profissionalismo e honrando a tradição que o oráculo traz em si mesmo. Estudando e sempre se mantendo aberto a "dialogar" com os símbolos, dando a devida importância ao que lhe é "dito", e resistindo às projeções. Respeitando também a si mesmo, ao dom que possa ter, a determinação que empenhou no aprendizado e as responsabilidades que ser oráculo traz, com os demais e consigo mesmo.
"Ó homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás os deuses e o universo." — Inscrição no oráculo de Delfos, atribuída aos Sete Sábios (650 a.C.- 550 a.C.)
1 Wikipedia
2 "Os mitos: fontes simbólicas da Psicologia Analítica de C.G. Jung", de Gabriella Gomes Cortes
3 "A Bíblia do Tarô", de Sarah Bartlett
4 "A Dança Cósmica das Feiticeiras", de Starhawk
Escrito originalmente em 11.03.2013
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